Um blog de livreiro não há de ser um blog literário, nem um blog de leitor. Não haverá refinamento, instrumental teórico e nem impáfia o bastante para isso. O livreiro, afinal, nunca está a sós com sua própria estante de casa, aconchegante e familiar, ou põe sob o travesseiro a curta e incompreendida obra daquele marginalíssimo autor sobre o qual está preparando um trabalho acadêmico revelador e sonha a partir dali para incontáveis horizontes. O livreiro, ao contrário daquele culto diletante ou deste acadêmico aplicado, está permanentemente sob o efeito de todas as estantes possíveis; todos os autores sussurram suas verdades simultaneamente por detrás de lombadas de todas as cores e ele precisa render-se a eles, falar sobre eles, ter um fragmento de informação sobre cada um desses produtos-sonho que às vezes dizem algo a este cliente e não àquele, que abrem portas para esta mente e não para aquela. E ao descobrir a pólvora pessoal que dispara a fome de cada um que lhe aparece pela frente a cada momento, o ideal é que ele saia por aquela picada no meio da selva de celulose adentro, desbravando e conectando, desbravando e conectando...
No processo, o caminho se suaviza, o final da trilha parece estar logo ali, onde a claridade fica cada vez mais intensa – mas, como todos sabemos, todo mundo que sente esta fome lê, conjuntamente, o Livro de Areia borgiano, para o qual não há final possível, para o qual a fome tem que justificar-se a si mesma, sob pena de converter-se de uma saudável perversão em uma biliosa obsessão.
É justamente nesta terra de ninguém que opera o tal do livreiro: entre a perversão e a obsessão. Cada uma em sua trincheira, alternando avanços ostensivos e retiradas estratégicas.
Portanto, este é apenas um blog de vida de livreiro. Uma vida na qual acontecem as coisas normais de qualquer outra vida. Só que com um monte de papel impresso em volta.
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