sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A Pressão da Escrita - parte 1



Antonio di Benedetto, então aos cinqüenta e poucos anos de idade, foi preso pela ditadura argentina e permaneceu encarcerado entre março de 1976 e setembro de 1977. Neste meio tempo, foi submetido a uma série de torturas e (olha só que divertido!) quatro simulações de fuzilamento. Numa situação limite na qual a mente do ser humano normal sentir-se-ía totalmente à vontade para conceder férias à sanidade e tremer e babar pelos cantos numa desesperada fuga rumo ao interior, prescindindo dos caracteres essenciais de humanidade que nestas circunstâncias perdem todo o sentido, o tal di Benedetto continuou a escrever. Quando tentava escrever sem qualquer finalidade externa perceptível, seus carcereiros estavam encarregados de sempre rasgarem-lhe os papéis. Logo, ele começou a dar vazão a seus contos embutindo-os nas cartas que escrevia a uma de suas únicas amigas no mundo exterior, a escultora Adelma Petroni. Entre uma e outra informação objetiva e perguntas bestas sobre o mundo lá fora, ele começava uma sentença dizendo “Esta noite tive um lindo sonho; vou contar...” e tudo que vinha depois desta introdução era transfigurado em literatura.
Os contos que este homem pôs para fora através de suas cartas foram publicados na Espanha, um ano após sua libertação, sob o título de “Absurdos”, misturados a outras narrativas já publicadas anteriormente. Mesmo já em liberdade, toda a produção tardia de Benedetto era ou assombrada pela tortura na terra natal ou entristecida pela nostalgia no exílio. Felizmente seus romances fundamentais estão todos disponíveis com relativa facilidade em português: “O Silencieiro”, “Zama” e “Os Suicidas” foram escritos entre 1955 e 1965 e são todos romances do assombro, todas narrativas na qual quem nos fala é uma pessoa que não consegue dar crédito à realidade que o cerca, sempre perplexo, sempre questionando-se se algum dia valerá a pena começar a tentar apreender tantos estímulos, expectativas, sons, imagens e palavras. Terminando de ler um dos contos do seu livro “Mundo Animal”, jogado na cama, com as cortinas cerradas, intuindo um dia cinzento lá fora, fiquei imaginando como ele mesmo encontrava forças para escrever e viver o pouco de vida que vivia.

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