
Por exemplo, o livro que você tem que ler para fazer um trabalho do colégio -> leia, faça o que tem que fazer... e esqueça-o. Ele nunca mais vai servir para nada na sua vida, nem diversão nem aperfeiçoamento pessoal. Ele está esteticamente morto, até que você consiga, eventualmente, ressuscitá-lo na idade adulta, com um desfibrilador crítico muito potente. Isso aconteceu comigo com Machado de Assis, Lima Barreto e José de Alencar, entre outros tantos. Hoje em dia, indicam Clarice Lispector para leitura em colégios. Acho isso quase criminoso. Um livro como “Perto do Coração Selvagem” tem que ser encontrado na estante, no meio de coisas inofensivas, você tem que lembrar de ter escutado o título mencionado pelo seu tio depravado que fugiu com a empregada, depois levado em segredo para o quarto, lido na calada da noite, clandestinamente. Só assim ele pode encontrar sua função.
Dei sorte com alguns desses autores e livros nos meus próprios 13 anos; fuçando a estante encontrei muita coisa que não fazia idéia de quão famosa ou importante ou fantástica era, e consegui estabelecer uma relação mais franca com esses textos. Um, em particular, me vem à cabeça: o final de um conto que achei numa edição já velhinha da Ediouro: "Arábia". Não li todos os contos na época, mas nunca me esqueci do final deste. A história era basicamente de um garoto da minha idade que queria ir a uma quermesse numa cidade próxima porque queria comprar uma lembrança para a garota da qual gostava, e também porque todos estariam lá, era o g

“Fitando a escuridão, eu me vi como uma criatura tangida e ludibriada por quimeras. Meus olhos queimavam de angústia e ódio.”
Eu entendia totalmente o que ele sentia – um ódio hormonal, amplificado pela sensação de aprisionamento às decisões dos adultos, pela impotência financeira e pela certeza de que ele não conseguiria transmitir este ódio para mais ninguém, porque ninguém daria importância (e anos mais tarde apenas ele veria que com razão). Nunca esqueci as imagens que esse conto evocou para mim, e a identificação esquisita, automática, com aquele destino.
E eu, felizmente, não sabia quem era esse tal de James Joyce.