sábado, 15 de agosto de 2009

A Pressão da Escrita - Parte 2


Só o fato do escritor uruguaio Horacio Quiroga ter sido capaz de produzir alguma coisa nos intervalos entre as incessantes desgraças que assolaram sua vida é por si só impressionante: seu pai atirou acidentalmemte em si mesmo durante uma expedição de caça quando Horacio tinha apenas alguns meses de vida e morreu. Seu padrasto, não muitos anos depois, se matou e foi o jovem Horacio quem encontrou o corpo no quarto dos pais. Ainda durante a juventude, matou acidentalmente seu melhor amigo enquanto limpava a arma que este usaria durante um duelo para o qual fora escalado como padrinho. Casou-se com uma jovem que era sua preceptora e foi com ela tentar plantar algodão numa província remota - quase morreu de fome, acossado por duros invernos e pragas infinitas. Sua esposa, deprimida e contrariada, envenenou-se e agonizou semanas a fio antes de morrer, deixando Horacio para cuidar dos dois filhos, Eglé e Dario, que, mais tarde, mas não muito mais tarde, se matariam, cada um por sua própria conta. Por volta de seus 50 anos, casou-se outra vez, agora com uma mulher 30 anos mais jovem que alguns anos depois o deixou. O sofrimento da rejeição só não durou mais dessa vez porque, aos 60 anos, depois de ser diagnosticado com câncer, Horacio, quem diria!, se matou.
Apesar disso tudo, este homem virou não apenas um prosista interessante, mas um dos maiores narradores em castelhano do século XX, focadamente como mestre da narrativa curta. Um amigo meu costumava argumentar que eram tantos os infortúnios na vida de HQ que ele não conseguiria dedicar-se de qualquer forma ao romance, por mera falta de tempo insofrente.
Uma célebre e ainda mais curta obra sua acabou de merecer uma republicação por esses dias, pela L&PM: é o “Decálogo do Perfeito Contista”, como o nome já faz supor, um conjunto de 10 regrinhas que o prosador deve seguir para alcançar a forma perfeita em sua arte.
A obra em questão ocupa uma página e meia do volume, dez regrinhas mesmo - o restante das mais de 150 páginas são uma ampla discussão das diretrizes de HQ realizada por seus próprios pares, vários contistas contemporâneos brasileiros como Moacyr Scliar e Nelson de Oliveira, sob organização de Sérgio Faraco, que já tinha sido publicada pelo menos uma vez em 1999 pela Unisinos.
Na prática, é a quase decupagem de um longo debate relacionado às tábuas contísticas da lei. Vê-se de cara que pode ser extremamente instrutivo e/ou extremamente chato. Espero por pareceres posteriores e, caso ainda me lembre, darei meu próprio depois de ler. Com certeza voltaremos a Horacio Quiroga, quanto a isso não há duvida.

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