domingo, 16 de agosto de 2009

Pessoas Que Arruinam The Whole Fucking Experience - parte 1: fãs de Bukowski

Que fique bem claro logo de início: aqui não me refiro aos leitores que lêem Bukowski como parte de um corpus maior de leituras, pessoas que se divertem com as peripécias rocambolescas do Velho Safado ou que, estudando a literatura americana na segunda metade do século XX, não teriam, mesmo que quisessem, como contornar uma obra com tamanha influência. Acho que essa ressalva, felizmente, está endereçada a mais de 90% dos leitores.
Refiro-me, isso sim, aos fãs incondicionais de Bukowski (f.i.B.), do tipo que a gente já conhece: as pessoas que acham que o máximo da experiência humana é viver sordidamente, cercado de álcool, cigarros, mulheres suspeitas e uma máquina olivetti que parece que vai desmontar a cada irritante batida nas teclas sebentas. São as pessoas que gastam todo o dinheiro dos pais em cerveja barata para ela e para os amigos outsiders que as cercam, que saem todos os dias da semana para as boates mais xexelentas e são capazes de mendigar o valor da entrada até derramarem lágrimas de sangue, só para gastar o dobro disso para comprar uma camisa previamente rasgada do Sex Pistols e quatro vezes isso para comprar antes de todo mundo ingressos para todas as apresentações no Brasil da última grande banda londrina que não sai de seu i-Pod. As pessoas que realmente vivem suas vidas como lixo dificilmente têm esse tipo de escolha.
Quando se sentem oprimidos pelo provincianismo carioca, os f.i.B. se congregam com seus amigos de infância de colégios tradicionais católicos e vão todos ser miseráveis em Paris ou Praga, e de lá trazem vários suvenires miseráveis legais - inclusive edições em papel-jornal de Bukowski em tcheco.
Os f.i.B. também têm outras leituras colaterais, mas apenas complementares: para filosofar, têm "Nietszche em 90 minutos" e qualquer coisa que saia da boca do seu professor predileto na faculdade; para atualidades, as matérias mais curtas da Piauí e da Caros Amigos; entre os autores, geralmente Jack Kerouac e William Burroughs - mas o primeiro é espiritualizado demais, e o segundo drogado e gay demais para suas sensíveis consciências.
O que depõe muito favoravelmente a favor de Bukowski é que, para ser f.i.B. de raiz você tem ainda que fingir que leu a maior parte das coisas que menciona, porque se você tiver realmente lido e pensado sobre a maior parte dos poemas que estão, por exemplo, em "Love Is a Dog From Hell", e pensar mesmo com carinho sobre a situação de Henry Chinaski e for um f.i.B, talvez essa atividade sozinha já faça com que você deixe de ser. Porque a conclusão geral, pelo menos a minha, não é que o Sr. Bukowski ache que a vida deva ser assim, mas que a dele infelizmente foi quase sempre assim e pronto - "se a sua puder ser diferente, admita essa diferença e faça com ela uma coisa melhor do que eu fiz", me parece ouvi-lo dizer.
Da minha parte, acho Bukowski muito divertido de ler. É facílimo: algo acontece depois de outro algo, pessoas fazem coisas, sempre um narrador único para te tomar pela mão, com o qual se identificar e no qual confiar. É bem satisfatório... Devo ter lido "Mulheres" em uma noite, sem nem me dar conta; "Factótum" me tomou o tempo de uma viagem de ônibus para São Paulo; os poemas não têm a aura de mistério insondável de um Mallarmé ou T.S.Eliot - são prosa picotada, várias sentenças disfarçadas de verso porque ele quis que fosse assim e foda-se. É óbvio que as histórias pelas quais esse sujeito passou tinham que ser contadas!
Recomendo a todo mundo que queira escapar de ser f.i.B que assista a "The Charles Bukowski Tapes": é basicamente um depoimento de quatro horas ou mais, editado por Barbet Schroeder, prestado em 1985. Dois DVDs de Bukowski falando e falando e falando... sobre tudo - livros, natureza, mulheres, bebida etc. Acho que não há edição brasileira e que essa importada não tem legendas, mas vale a pena apurar o Inglês, se possível. Você sai da sessão pensando que esse velhinho de cara rachada devia ser um ótimo papo num bar... e que talvez você não devesse parar por ai nas suas leituras.

Um comentário:

  1. "As pessoas que realmente vivem suas vidas como lixo dificilmente têm esse tipo de escolha" - acho impressionante que os f.i.B nunca tenham pensado nisso.
    "90% dos leitores" - aqui você foi bastante benevolente! rs
    E sim, Bukowski é fácil de ler e copiar - aparentemente - e principalmente para quem não sabe o que é autocrítica.

    ResponderExcluir