terça-feira, 18 de agosto de 2009

Ajuda dos universitários - Parte 1: Proust

Alguns livros nos passam apenas uma certeza, quando contamplamos seus tomos volumosos, nos perdemos entre algumas linhas de sua escrita enigmática e damos uma boa olhada nas introduções técnicas que os precedem - e esta certeza, que exaramos num suspiro mal percebido entre os lábios semicerrados é: "nunca lerei esta porcaria".
Este seleto grupo é formado, entre uma infinidade de outros, mais ou menos famosos, por "Em Busca do Tempo Perdido", "Ulisses", "Fausto", de Goethe, e "Como É", de Beckett, livros que não propriamente alcançaram a fama de enigmáticos - eles já nasceram assim, e costumavam ser um desafio mesmo para os contemporâneos e conterrâneos de seus autores. "Ulisses" nunca foi fácil, mesmo quando era adotado como material pornográfico para os soldados britânicos solitários nas trincheiras da II Grande Guerra; "Como É" já começou a merecer estudos antes mesmo de sua publicação em Inglês, em 1964; e "Em Busca do Tempo Perdido"... bem... nenhum livro daquele tamanho pode ter sido fácil um dia.
Em todos esses casos, acho que não há muita solução além de comportar-se com a humildade devida e compreender que os autores, e notadamente os grandes autores (como os grandes compositores, pintores, filósofos etc), tendem a ser menores que suas obras, e quanto mais distantes estivermos do momento de sua criação, mais difícil será conseguir o auxílio das motivações que podem ajudar a elucidá-la. Para esses livros basilares, suas histórias são a história de suas leituras.
Hoje, estou pensando em especial no "Em Busca do Tempo Perdido", em seus sete longos tomos, praticamente aquilo que Marcel Proust viveu para colocar no mundo, com exceção de algumas poucas outras prosas e um outro romance incompleto. Geralmente as pessoas encaram o projeto de ler a Recherche (como preferem chamar alguns, por síntese e/ou impáfia) como uma das realizações necessárias da vida adulta, talvez não da mesma estatura que ter um filho e plantar uma árvore, mas aparentada de escalar o Everest e jogar uma moeda na Fontana di Trevi. Eu, por ora, li apenas o primeiro tomo, antes que a urgência de outras buscas me afastasse do caminho, mas ainda acho importante retomar futuramente. E aqui indico algumas das leituras que acho que fariam bem ao leitor comum como eu (e não ao estudioso, é o que quero dizer) na hora dessa retomada:

1) "Como Proust Pode Mudar Sua Vida", de Alain de Botton (ed. Rocco) - eu sei que você vai colocar uma capa de papel pardo, no melhor estilo escolar, para ninguém reparar no que você tem nas mãos enquanto estiver no metrô. Se ler auto-ajuda pode te comprometer como leitor, ler auto-ajuda sobre Proust é mais vexatório ainda! Pois este é um depoimento de leitor, e um leitor atento, disfarçado com bom humor de livro de auto-ajuda (inclusive nos títulos dos capítulos, tais como "Como Ser um Bom Amigo" e "Como Sofrer com Sucesso"). Misturando dados biográficos com observações tiradas da Recherche, esse rapaz Alain de Botton, que já vendeu milhões de exemplares de seus livros de divulgação de Filosofia e Literatura na Europa, é capaz de tirar o medo que a solenidade de quase um século de adoração faz pesar sobre ele até do leitor mais relapso, sem nunca dar a impressão de que está tentando esgotar o assunto. Se você já está mais do que escolado em literatura do começo do século XX e já topou com o nome e citações de Proust tantas vezes que você já tem até a impressão de ter lido a Recherche sem ter nem começado, pode esquecer. Mas se você sabe até agora vagamente que Proust era escritor e só, esse pode ser o seu ponto de partida, sem nenhuma vergonha.

2) "Fun Home", de Alison Bechdel (ed. Conrad) - Este aqui é um livro de História em Quadrinhos, e é menos uma biografia quadrinizada que uma tentativa de auto-análise de uma obsessão que atravessa a vida adulta da autora: a relação com o pai, homossexual como ela, morto num atropelamento. Desvendar sua própria vida vendo-a pelos olhos do pai, leitor de Proust e F. Scott Fitzgerald, é o grande objetivo do livro. E no caminho acompanhamos o processo de auto-descoberta de Alison enquanto ela, por sua própria conta, desvenda a vida de seu pai e encontra os laços que a ligam àquele homem que lhe parece, no fim das contas, tão desconhecido. Paralelos entre a vida de sua família e trechos da Recherche estão por toda parte, e é garantida a vontade de se embrenhar por ele assim que "Fun Home" acaba, bem como pelas obras de Wallace Stevens, F. Scott Fitzgerald e de todos os autores que aparecem nas capas dos livros que se insinuam em cada quadrinho. Um livro extremamente delicado, e uma demonstração de como Proust pode salvar mesmo algumas vidas.

3) "Proust", de Pietro Citati (ed. Companhia das Letras) - Tenho a impressão de que há dois tipos de biografia: aquela definitiva, com todos, TODOS os dados, até o ângulo em que o sujeito deixou o cabelo penteado para o lado no dia 21 de junho de 1871, que é extremamente necessária como base para quem já quer saber tudo sobre o referido biografado ou ter uma obra de referência confiável para não sair falando besteiras sem lastro quando o assunto surgir; e aquela ensaística, que toma a liberdade de te apresentar o biografado por zonas mais sombrias ou iluminadas ao gosto do autor. A diferença entre a primeira e segunda: a segunda geralmente é a divertida. Mas isso é mais que justo! Só faltava eu pedir que Joseph Frank, além de escrever 5 tomos gigantes sobre Dostoievski, ainda me fizesse sorrir! Tenha paciência...
Este "Proust" é um dos exemplos mais felizes de que me recordo do segundo gênero. Mesmo que você pense que está apenas começando a ler sobre um francezinho esnobe e asmático, não há como escapar do ritmo informal e romancesco que Citati impõe a seu livro. É quase como se estivéssemos descobrindo Proust junto com ele.

Se nada mais der certo, não se desespere: você pode se juntar a um dos grupos de estudo que todo ano surgem por ai para a leitura de "Em Busca do Tempo Perdido". Eu mesmo estou pensando em fazer minha retomada em algum deles, quando for embarcar em "A Sombra das Raparigas em Flor".

Um comentário:

  1. Muito bom, Rob! ADOREI o blog todo, mas esta postagem está demais! Parabéns!

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